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A Menininha de Tranças na Janela da Ambulância

A Menininha de Tranças na Janela da Ambulância

10/12/2009 Fábio P. Doyle

Na véspera do Natal, uma ambulância do município de Maravilhas pára em um sinal vermelho em uma rua qualquer da cidade.

Uma menina coloca sua cabecinha na janela estreita e olha em torno. Séria, sorri afinal, e abana a mãozinha. O sinal se abre, a ambulância anda, a menininha desaparece na distância.

DEZEMBRO todo se transforma em véspera de Natal. Desde o primeiro dia. Na última semana, a que passou, mais intensa é a véspera que prepara a festa maior. O comércio fatura gordo e fácil em cima dos minguados reais dos décimos terceiros salários dos que ainda, sorte deles, podem comprar e gastar. As luzes são acesas nas árvores, nas fachadas das lojas, das casas felizes. É o lado festivo, alegre, dos finais de ano. Embora existam outros lados, menos iluminados, menos coloridos, com menos presentes nos pés das árvores que neles não cresceram.

NA terça-feira, dia 20, véspera antecipada do Natal, fazia um trajeto comum, pelas ruas comuns e tão conhecidas de nossa cidade. Em um sinal, parei meu carro. Do lado esquerdo, parou também, no mesmo sinal, uma ambulância. Pelo que pude ler nas indicações gravadas nas lateraias, constatei que era uma ambulância do município de Maravilhas. Nunca estive lá, conheço a cidade de nome, que às vezes sai no noticiário dos jornais.

UM ENCONTRO comum, normal, de veículos contidos por um semáforo com luz vermelha. Olho de novo para a ambulância. Toda fechada, menos uma pequena janela entreaberta. Pela abertura estreita surge um rosto de criança. Uma menina moreninha, com tranças nos cabelos crespos e enrolados. Ela me olha longamente, séria, com seus olhinhos pretos, redondos. Não sorri. Examina aquele senhor que está no carro ao lado, sem curiosidade maior. Afinal, tantos outros carros com outros senhores ao volante devem ter cruzado com ela na janelinha da ambulância de Maravilhas.

ELA é bonitinha, rosto redondo, olhos redondos, trancinhas curtas feitas pelas mãos de uma mãe cuidadosa que estaria ao seu lado, ou talvez em uma maca, ou acompanhando alguém que estaria na maca. Abro o vidro que me separa do mundo lá fora, vidro que supostamente me protege da violência que está em toda parte, e aceno para a menininha de olhos pretos redondos. Ela se espanta um pouco. Olha de novo, e eu aceno mais uma vez. Afinal, ela sorri. E me retribui o aceno. Abana a mãozinha, vira-se para dentro da ambulância e diz alguma coisa para alguém. Naturalmente conta que ali ao lado, um senhor está na direção de um carro, sorriu para ela, abanou-lhe a mão, e que ela respondeu.

O SINAL já vai abrir. Ela volta à janelinha, olha para confirmar se estou ainda ali ao lado. Mando-lhe um beijo, mais um aceno de mão. Ela, agora confiante, sorri, põe a mãozinha para fora e diz adeus.

O SINAL se abre, os carros avançam, um atrás do meu buzina irritado com a minha demora em andar também, parado que fiquei olhando a ambulância de Maravilhas sumir na avenida comprida, cheia de carros, da fumaça poluente de ônibus e caminhões, levando lá dentro, para todo o sempre, nesta triste véspera de um Natal tão vazio, aquela menininha moreninha de rosto e olhos redondos, com suas trancinhas bem feitas, no caminho de sua Maravilhas, de sua pobreza, de seu futuro incerto e malcuidado por governos às vezes corruptos, quase sempre ausentes e alienados diante da dura, da duríssima realidade da vida dos que só têm mesmo, e como isso vale tanto, menininhas que abanam a mão e sorriem de dentro de uma ambulância para um senhor algo solitário que nunca mais verão.

26.dezembro.2005

* Fábio P. Doyle é jornalista e membro da Academia Mineira de Letras. 



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