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O Haiti não é aqui. Ou me engana, que eu gosto…

O Haiti não é aqui. Ou me engana, que eu gosto…

06/03/2010 Floriano de Lima Nascimento

Iniciado tarde da noite, em 12 de Janeiro deste ano, este artigo só acabou de ser redigido no meio da madrugada.

O motivo? Um programa especial no Eurochanel intitulado “A grande fome de 1933 na Ucrânia”. A necessidade de escrever era imperiosa, porque esta edição já estava sendo preparada, mas não assistir ao documentário estava fora de questão.

Para quem não sabe, o assunto em foco foi o genocídio cometido por Stálin contra a população da Ucrânia e de outras regiões soviéticas nos anos 32/33. Como o país se encontrava em grave crise, os políticos de Moscou resolveram confiscar tudo o que era produzido pelos ucranianos, levando à morte por inanição cerca de 10 milhões de pessoas. A coisa foi tão cruel que obrigou o povo à prática de canibalismo. Idosos, crianças e até defuntos eram preparados e comidos, para aplacar a fome insuportável, num inverno que, freqüentemente, atingia vários graus abaixo de zero. A qualquer sinal de resistência, a resposta era a execução sumária.

É um dos episódios mais obscuros, cruéis e estúpidos do século XX, até agora mantido em segredo ou negado por pessoas que participaram do regime soviético. Ao lado de outros fatos conhecidos sobre a brutalidade dos governos ali instalados, desde a Revolução Russa, a revelação dessas atrocidades reforça em nós a convicção, fortalecida ao longo dos anos, de que não há diferença entre a ação de extremistas, qualquer que seja o seu credo. Humanismo? Essa gente tem desprezo por isso. A diferença é que nenhuma pessoa razoavelmente ajuizada tem a coragem de defender publicamente o extremismo de direita, enquanto é corriqueiro, entre pseudo intelectuais que se consideram politicamente avançados, proclamarem as idéias totalitárias engendradas pela “Cultura Socialista”. Quanta ignorância! A par de desconhecimento da História, revelam alienação, frieza e cinismo diante do sofrimento humano. Bem, mas o que deveria ser um parágrafo introdutório a um artigo sobre a tragédia haitiana foi transformado, por uma lufada de indignação, em catilinária contra a ignorância política, mas há uma logicidade, ainda que hedionda, no fato de que os horrores aqui tratados pertencem ao mesmo universo de loucura e inconseqüência que tem marcado a trajetória humana desde os primórdios da História. Voltaremos ao assunto, oportunamente.

Sobre a catástrofe haitiana, Mauro Santayana, um dos mais qualificados jornalistas que já trabalharam na redação de O Debate, afirma que a ocupação do Haiti só terminou em 1934, quando o presidente Roosevelt, dos Estados Unidos, retirou suas tropas, embora tenha continuado a “proteger” o país. Diz ele:

“O território ocidental da ilha de São Domingos, que passou ao domínio francês em 1697, por cessão da Espanha, se transformou em imenso canavial, com a importação de escravos. Durante o século 18, o Haiti (que significa, na língua nativa, terra montanhosa) viu extinta sua população indígena. Em 1781, dos 556 mil habitantes, 500 mil eram negros, e o resto se formava de mulatos e brancos europeus. A terra, ocupada pela cana e culturas menos importantes, foi arrasada pela exploração colonial predatória. No início de 1790, animado com a Revolução Francesa, o negro Vincent Ogé chefiou uma insurreição contra os franceses, mas foi capturado, torturado e executado. Toussaint Louverture retomou o movimento no fim da década, e depois de muita luta venceu as tropas napoleônicas em 1802. Os franceses traíram o compromisso e o aprisionaram. Louverture morreu em Paris. Finalmente, em 1804, os haitianos obtiveram sua independência, só de fachada. Foi o segundo país da América a se tornar formalmente autônomo: o primeiro foram os Estados Unidos”.

Desgraçadamente para os haitianos, o poder nos anos seguintes, seria tomado por René Duvalier (Papa Doc) por seu filho Jean Claude e outros, que impuseram ali o terror e o atraso. 

O jornalista português, radicado no Brasil, João Pereira Coutinho, afirma que a tragédia haitiana não resulta apenas de acontecimentos naturais, mas também da incúria da corrupção e da tirania humanas, além da miséria material. Para ilustrar seu pensamento, ele menciona ensaio publicado em 2005 por Mathew Kahn em revista do MIT, intitulado “The Death Roll from Natural Disasters: the Role of Income, Geography and Institutions” (a lista da morte por desastres naturais: o papel da renda, da geografia e das instituições). Entre outros dados, ali está registrado que, entre 1980 e 2002, arco temporal do estudo, Estados Unidos e Índia sofreram, o primeiro 14 e a segunda 18 grandes terremotos, que ocasionaram, no primeiro caso 143 e, no segundo, 32.117 mortos. É uma diferença brutal! Brian Tucker, do The Guardian, ao comentar que a tragédia haitiana poderia ter sido menor, afirma que ela só atingiu essas proporções em razão de construções erguidas de modo irresponsável, o que inclui até o prédio da ONU (que desabou por completo nos primeiros momentos da catástrofe, matando várias pessoas, inclusive o brasileiro representante da entidade naquele país).

Queremos que o leitor de O Debate utilize o mesmo raciocínio pra analisar as tragédias cotidianas registradas no Brasil, envolvendo homicídios, acidentes de trânsito e catástrofes naturais, como a ocorrida em Angra dos Reis no final do ano. Para não falar em outros. Todas resultam da incúria, da incompetência e da falta de empenho em resolver os problemas da população. Nossas cidades, incluídas as capitais, não resistem mais a uma hora de chuva!

Pode-se afirmar que, além das regiões mais pobres do interior do Brasil, existem haitis em todas as periferias das grandes cidades - resultado da ausência de educação, desenvolvimento econômico, saúde e saneamento básico - que não recebem a prioridade devida no planejamento, em seus vários níveis. Isso para não falar na falta de segurança alimentar, que mal é discutida entre nós. Voltaremos ao assunto a qualquer hora dessas para mostrar que existem milhões de brasileiros expostos a catástrofes de todo o tipo, devido à falta de políticas públicas capazes de protegê-los.

“Somos sem sorte, é verdade. Somos miseráveis, é verdade. Você sabe por que, irmão? Por causa da nossa ignorância. Mas ainda não conhecemos a força que somos. Algum dia, nós nos levantaremos de um lado a outro do país e convocaremos uma assembléia geral dos governadores do orvalho, sairemos todos da pobreza e plantaremos uma nova vida” (Roumain, poeta haitiano, pouco antes de morrer, em 1944, aos 37 anos)

* Floriano de Lima Nascimento é Editor-chefe, escritor e professor de Direito Econômico, Membro do Instituto Histórico e Geográfico e da Arcádia de Minas e ex-presidente da Fundação Brasileira de Direito Econômico



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