Naturalidade brasileira para estrangeiros adotados é pauta no STF
Naturalidade brasileira para estrangeiros adotados é pauta no STF
Dentre as grandes reflexões de Aristóteles, filósofo grego que viveu entre 384 e 322 a.C., está a base de seus ensinamentos em torno da ética.
Ele defendia que uma pessoa com virtude é aquela que foge dos extremos, de modo que tomar decisões puramente emocionais ou rigorosamente racionais poderia resultar em ações condenáveis.
Assim, defendia que o mais razoável e virtuoso seria adotar um meio-termo. Pois, defendo, é o que deveria ser considerado no processo que chega ao Supremo Tribunal Federal (STF). Vamos às explicações.
A quantidade de crianças disponíveis para adoção no Brasil não chega a ser tão extensa. De acordo com o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), em 2021 existiam no país 3.770 crianças aptas para adoção, diante de uma fila de 46.390 pretendentes cadastrados.
À época, essas crianças e adolescentes tinham algumas peculiaridades, segundo o órgão: 24 delas tinham HIV, 237 algum tipo de deficiência física, 540 deficiência mental e 611 possuíam outro tipo de doença.
O que há em comum é que todos são jovens brasileiros, cuja nacionalidade é uma questão já resolvida e com seus direitos civis já assegurados.
Até por isso, a adoção deve passar por critérios rígidos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Mas uma situação peculiar tomou corpo no STF: como funciona – ou deveria funcionar – o processo de nacionalização no caso de uma criança estrangeira?
O debate não surge por acaso. Ele chegou em forma de recurso contra uma decisão da 1ª Região do Tribunal Regional Federal (TRF-1), que deu sentença contrária à transcrição em cartório do termo de nascimento de duas filhas nascidas nos Estados Unidos.
A ideia dos pais, de Belo Horizonte, era registrá-las com opção provisória de nacionalidade até que fizessem 18 anos, quando poderiam escolher pela nacionalidade brasileira ou estadunidense.
Hoje, segundo a sentença do TRF-1, não há nenhum meio constitucional que assegure essa possibilidade, e a adoção de estrangeiros só poderia ocorrer mediante a naturalização das crianças.
Considerando este cenário, pode-se atestar que há um apego às normas, ou, como sustentaria nosso filósofo grego, uma racionalidade excessiva do TRF. Mas há mais pontos que equilibram o jogo nesse conflito, e que dão sustentação ao recurso no STF.
O argumento da família é de que a adoção estabelece uma filiação, uma relação parental entre os filhos adotivos e os pais, e a própria Constituição Federal veda qualquer discriminação entre os filhos, qualquer que seja sua origem natural ou civil.
Além disso, o ECA determina que filhos adotivos e biológicos têm o mesmo peso familiar, inclusive na linha do direito sucessório.
A decisão que competirá ao STF deve considerar esses elementos, e refletir também sobre o direito das próprias crianças de decidir, no tempo certo, sobre sua nacionalidade.
Fazendo um contraponto à decisão do TRF, abdicar da nacionalidade original também não entra no rol dos critérios de adoção, e exigi-la no ato do registro significa limar das crianças a condição de fazer essa escolha por conta própria.
A doutrina do meio, como também é chamado o uso do meio-termo defendido por Aristóteles, pode dar uma oxigenação necessária nesse processo.
Usar apenas do olhar rigoroso sobre um hiato constitucional é fechar os olhos para a sensibilidade prevista no ECA e na própria Constituição.
A decisão do STF dependerá do bom senso de enxergar de uma forma bem mais ampla. Talvez seja o suficiente para decidir que a escolha pertence às crianças.
* Paulo Victor Freire é advogado e sócio do escritório Paulo Victor Freire Advocacia & Consultoria Jurídica, especializado em Direito Internacional.
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Fonte: Naves Coelho Comunicação