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Doações eleitorais: Da corrupção à concussão

Doações eleitorais: Da corrupção à concussão

04/10/2014 Ayrton Belarmino de Mendonça Moraes Teixeira

Recente editorial do jornal Zero Hora , de 26 de agosto de 2014, questiona se as doações eleitorais representam verdadeira doação ou são uma espécie de investimento, alinhando-se a movimento que pugna pela proibição de doações por pessoas jurídicas, almejando redução do impacto do poder econômico na política.

A doação por pessoas jurídicas a partidos políticos e de campanhas eleitorais é objeto de discussão pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no 4.650, proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil . Não obstante o tema da constitucionalidade ou não da doação por pessoas jurídicas de direito privado refugir ao escopo temático ora proposto, assinalamos entender mais fortes os argumentos que defendem sua constitucionalidade.

Vale mencionar, ainda, que o Congresso Nacional, diferentemente da proibição total, debate a adoção de restrições mais intensas às doações eleitorais, por meio da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) no 352/2013 . Em ambos os foros, entendemos, a discussão acerca do tema é decorrente do fenômeno de infantilização do cidadão, em franco aprofundamento, que se contrapõe ao discurso inflamado que vislumbra amadurecimento de nossa democracia.

Aliás, basta acompanhar a íntegra dos debates no STF para concluir-se que o fundo da discussão é flagrantemente político, e que – se adotada – a proibição não alcançará o resultado esperado. Evidenciando sinteticamente as duas asserções, frisa-se a clareza de visão não corporativista e politicamente corajosa do Ministro Teori Zavascki, ao enunciar em seu voto vencido que “[s]ó por messianismo judicial inconsequente se poderia afirmar que declarando a inconstitucionalidade da norma que autoriza doações por pessoas jurídicas e assim retornar ao regime anterior se caminhará para a eliminação da indevida interferência do poder econômico nos pleitos eleitorais.

É ilusão imaginar que isso possa ocorrer” . O Brasil – historicamente – pode ser qualificado como possuidor de séries das mais avançadas legislações do mundo, não obstante as sofríveis exceções . Dentre os grandes feitos, a Lei Complementar nº 95/1998, que dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, decorrente do art. 59 da Constituição Federal. Assim, podemos frisar a boa qualidade técnica, em geral, de nossa legislação e – eis que o ser humano é fonte e, conforme Protágoras, medida de todas as coisas – da de nossa classe jurídica.

Mesmo em períodos de exceção, nossas Cartas ostentavam inegável apuro técnico-jurídico e, apesar disso, tendo o direito positivo como farol de civilidade e civismo (e, talvez, por nele concentrar as apostas), o País que possui “mais cursos de Direito do que todos os países do mundo juntos” não alcançou o mesmo grau de desenvolvimento institucional e econômico de outros países com produções normativas de menor apuro técnico e quantitativamente menos pródigas.

Nosso subdesenvolvimento encontra como uma de suas bases – além da atávica condição de colocarmos a culpa em adversários políticos e em outros países – a crença de que bastam vontade política e norma jurídica para se criar riquezas, como se o direito tudo pudesse. Ora, se as normas são necessárias exatamente para coibir o descumprimento das condutas estipuladas como socialmente valiosas, há um limite fundamental, o da possibilidade. Daí falar-se, por exemplo, em sede de efetivação dos direitos sociais, em “reserva do possível”. O tema da tensão entre o direito positivo e o mundo fático, entretanto, não encontra origem na Ciência do Direito Constitucional, no movimento do constitucionalismo ou no reconhecimento dos direitos fundamentais de segunda dimensão.

É tema bem mais antigo, afeto já à filosofia do direito e à Teoria Geral do Direito. Giorgio Del Vecchio já dizia que, por mais singular que isso possa parecer, o direito é essencialmente violável e existe em virtude de sua violabilidade. Com efeito, o direito positivo possui um caráter instrumental de regulação de condutas, haja vista que objetiva conferir um determinismo artificial, que deve se impor, na medida do possível, ao determinismo natural . E, efetivamente, norma cujo consequente, ou prescritor, seja impossível cumprir afronta o princípio da razoabilidade, na sua feição de normatização do possível.

Nesse sentido, a observação de Paulo de Barros Carvalho ao asseverar – significando que o direito não regula nem ações necessárias nem impraticáveis – que: o Direito só opera no campo do possível . O Brasil, incansável e esperançosamente, vive na crença de que o direito tudo pode. O “fiat justitia, pereat mundus” transmuda-se em: faça-se a Justiça, ainda que apartada do mundo (exceto pelo suporte físico do papel e da tinta dos diários oficiais). Estabelecendo-se a intentada proibição de doações eleitorais por pessoas jurídicas, dar-se-á azo – nenhum ineditismo, logo, nenhuma surpresa – a mais Estado; mais atividade estatal de fiscalização será necessária, com sua inafastável necessidade de custeio.

Mais relevante: as causas quase irresistíveis que levam empresas a realizar doações eleitorais milionárias persistirão e, pior, agravar-se-ão, pois será necessário que os Donos do Poder aumentem o estímulo para que as doações – então ilegais – sejam efetuadas. Restabelecer-se-á o convite enviesado ao “caixa-dois”, pomposamente denominado de “recursos não contabilizados” e qualificado como “o que é feito no Brasil sistematicamente” por uma das maiores referências políticas do País, Luís Inácio da Silva. De que adianta adotar uma medida, quando não se consegue identificar o problema de fundo? O resultado dificilmente é o esperado, quando se combate o sintoma, ignorando-se a causa.

Ora, é preciso identificar, prévia e adequadamente, o que impele empresas privadas a realizarem vultosas doações, algumas a todos os partidos de mais expressão, qual seja: o poder de vida e morte em relação aos atores econômicos concentrado nas mãos de gestores públicos e, notadamente, nas dos agentes políticos, eleitos ou não. Vejamos. Com o fenômeno do século XX de recrudescimento do poder estatal a níveis similares ou mesmo superiores aos do absolutismo, nos moldes autoritários ditatorial ou totalitário, mesmo o grande empresário está em posição de vulnerabilidade.

Isso porque o modelo de ordem econômica adotado pela Constituição Federal, a partir da atuação dos constituintes-políticos e constituintes-juristas, e reforçado pelos poderes instituídos, nisso incluída nossa Suprema Corte, demonstra por quem aprecia republicanismo e democracia desconhecimento ou, no campo pragmático, olvido do escólio de Lorde John Emerich Edward Dalberg-Acton (1834-1902), no sentido de que: o poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente.

Já quem conhece ou intui tal verdade da condição humana, utiliza-se da figura do “falso inimigo comum” para prevalecer na luta por poder. Efetivamente, adota a maioria dos gestores públicos e dos agentes políticos – novamente, eleitos ou não – uma mentalidade perigosamente temerosa e/ou belicosa relativamente ao poder econômico e exageradamente promotora do poder político. Discurso do medo alardeado em volume tal que convence a sociedade da necessidade de se manter um cabresto sobre a economia, que seria análoga a um animal selvagem, um mal necessário.

A grita aceita sem muita oposição serve, sem mínima percepção por parte de nossa sociedade, a outro desígnio: concretizar a concentração de poder, que – nas palavras de Henry Kissinger (1923-) – é o supremo afrodisíaco. Cria-se, aí sim, verdadeira besta-fera à qual tanto foi originariamente conferida prerrogativa para muito (talvez demasiadamente) quanto os poderes constituídos vêm concedendo outros tantos de atribuições não previstos pela Carta, num fenômeno que só aumenta a o grau de intervenção, a níveis suficientes para dobra inclusive grandes corporações. É, assim, o poder econômico cooptado ou sequestrado pelo poder político, eleito ou não, com o intuito de evitar que o primeiro venha a não seguir estritamente aquilo e tão somente aquilo que o poder público alega ser concretizador do “bem comum”.

Assim é que se pode afirmar que, nos casos das doações superlativas ultrapassou-se a barreira do mero afago ao Príncipe e, já no plano criminal, da esfera de corrupção ativa e corrupção passiva: tangencia-se – se não restar invadido – o âmbito do crime de concussão. Com efeito, o controle exacerbado da economia é gerador de dois resultados negativos: quando menos, o alinhamento não republicano entre poder político e poder econômico, chegando-se, até, à corrupção ativa e passiva; num estágio de mais exacerbado intervencionismo, a apropriação do poder econômico pelo poder político, configurando-se algo similar – se não idêntico – à concussão. Como diminuir o peso do poder econômico nas eleições? Reduzindo-se o poder do Estado na economia.

De que maneira? Estabelecendo-se uma carga tributária civilizada, diversa da atual, que, escorchante, drena quase todos os recursos do setor privado – nisso consideradas as pessoas naturais e as jurídicas – para o setor público, que determina quem, como e quando os receberá de volta (seja em direitos sociais ou em subvenções). Abandonando-se o cacoete, que data do Brasil Colônia, de que a economia seja ditada pelo Estado, então pela total proibição da indústria, e, atualmente, pela iniciativa e concorrência em regime semi-aberto, convertido, às vezes, em prisão domiciliar: competição de empresas estatais com empresas privadas – tanto na área de serviços quanto na de atividades econômicas. Diminuindo-se a burocracia a patamares não kafkianos.

Reduzindo-se o intervencionismo do Estado nas obras de infraestrutura, ao querer, inclusive, calcular “lucro justo”. Afastando-se o caráter de oligopólio ou, até, monopólio conferido pelo Estado aos concessionários e permissionários de serviços públicos e, em alguns casos, com vitaliciedade ou, até, hereditariedade. Abandonando-se o modelo do nacional-desenvolvimentismo, não menos desastroso agora do que fora no segundo estágio econômico do governo militar.

Porém, sob a alegação de se precaver das falhas de mercado, em prol do “bem comum” e a pretexto de proteger o consumidor, o Estado – ao regular, intervir e atuar excessivamente na economia – nela inocula abundantemente a peçonha das falhas do setor público: o centralismo, o dirigismo, o oficialismo, a manutenção de postos de emprego à custa de diminuição da produtividade e, consequentemente, aumento do custo dos bens de produção e de consumo, que atingem mais agudamente o trabalhador, que é, lembremos, o consumidor que mais seria beneficiado com queda real de preços; a crença de que um burocrata pode prever o comportamento de uma economia, desonerando, subsidiando (BNDES) ou tendo participações (BNDES-PAR) em setores ou atores econômicos eleitos “campeões nacionais”, mediante invariavelmente descalibrados poderes divinatórios, sob a roupagem de um falso cientificismo regado a populismo e ideologia a que os fatos – esses “reacionários” – teimam não se enquadrar.

Se não se atenta às lições de Lorde Acton e de Kissinger, proponho reflexão a partir de elemento de uma obra, que – apesar de ficcional – possui fonte indireta e ampla aplicabilidade na realidade, qual seja, enunciado de Frank Underwood, personagem interpretada por Kevin Spacey no seriado House of Cards: Dinheiro é a McMansão em Sarasota, que começa a desmoronar após dez anos. Poder é o velho edifício de pedra, que se mantém por séculos. Eu não posso respeitar alguém que não vê a diferença.

Os políticos de Pindorama também não demonstram muito respeito pelo cidadão/consumidor, que a pretexto de ser salvo do poder econômico, aplaude a cooptação ou o sequestro deste pelo poder político, pagando a conta por meio de tributos e preços mais elevados do que a inovação e a produção em larga escala permite numa economia menos afeita ao patrimonialismo, ao capitalismo de estado, de compadrio. Quando o diagnóstico é equivocado, o remédio pode ser inócuo – mero placebo diversionista para dissipar inquietudes – ou, pior, administração adicional do próprio veneno. Assim, é que se conclui que, para diminuir a influência do poder econômico em eleições, é imperativo diminuir o poder do Estado na economia. No que concerne à matéria em comento, o resto é silêncio!

*Ayrton Belarmino de Mendonça Moraes Teixeira é Analista Judiciário - Área Judiciária do TRE/SC, com atuação na análise técnica de contas eleitorais.



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