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Greve de servidores públicos e militares

Greve de servidores públicos e militares

20/03/2017 Paulo Roberto Lemgruber Ebert

As questões que envolvem o direito de greve dos servidores públicos são polêmicas.

E ganharam contornos mais graves com as recentes paralisações de Polícias Militares no Espírito Santo. Para tentar estabelecer uma regulamentação específica, o presidente Michel Temer anunciou recentemente que o Governo Federal apoiará o Projeto de Lei de autoria do Senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB/SP), a tramitar no Congresso Nacional desde 2013, que estabelece extensos limites ao exercício do direito de greve por parte dos servidores públicos, aí incluídos os policiais civis, federais e rodoviários federais, bem como os servidores lotados nas áreas de saúde, educação e segurança pública.

O direito de greve titularizado pelos servidores públicos, com exclusão dos militares, está previsto na Constituição Federal, mas sua regulamentação nunca foi implementada pela legislação ordinária.

As condições necessárias ao exercício de tal direito, bem como seus limites, vêm sendo definidos pelo Poder Judiciário na análise de casos concretos. O Projeto de Lei do Senado nº 710/2011, de autoria do senador Aloysio Nunes, que pretende regulamentar o direito de greve dos servidores públicos tem pontos polêmicos.

Em síntese, o texto estabelece (i) o conceito de greve no setor público , (ii) a definição dos requisitos necessários para a deflagração da greve, bem como seus efeitos imediatos e as garantias dos servidores grevistas, (iii) o rol das atividades tidas como essenciais, para as quais o exercício do direito de greve pode ser limitado, (iv) as penalidades aplicáveis aos servidores públicos em caso de greve declarada abusiva e (v) o rito a ser observado pelo Poder Judiciário nas ações judiciais relativas à greve no setor público.

O projeto mantém a proibição quanto à realização de greve por parte dos servidores militares da União, bem como por parte dos Policiais Militares e dos Bombeiros, permitindo-a, ao contrário, aos policiais civis, federais e rodoviários federais, bem como aos integrantes das guardas civis metropolitanas.

Nesses casos, todavia, as categorias e seus respectivos sindicatos ficariam obrigados a manter um efetivo de, pelo menos, 60% de servidores em atividade. Trata-se de um percentual extremamente alto e desproporcional cuja imposição esvazia, na prática, o exercício efetivo do direito fundamental de greve por parte das referidas categorias, de modo incompatível com o próprio conceito de greve e com a Constituição Federal que o consagrou em seus artigos 9º e 37, VII.

No que diz respeito aos militares da União - integrantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica - e aos policiais e bombeiros militares dos Estados, o projeto reafirma a proibição quanto ao exercício de greve já constante da Constituição Federal.

Em que pese a proibição nesse sentido, não se pode ignorar que a deflagração de greves no âmbito de tais categorias constitui, em verdade, um fato que depende mais das condições de vida e de trabalho experimentadas por esses profissionais em um determinado momento, do que da existência de proibição legal em abstrato.

Assim, a questão seria melhor tratada pelo legislador se acaso fossem assegurados aos militares, em geral, mecanismos a possibilitar-lhes a provocação da administração pública com vistas à melhoria de suas condições de vida e de trabalho, que se mostrassem compatíveis com os princípios hierárquicos a pautarem as instituições.

É importante destacar, nesse particular, que, segundo o Comitê de Liberdade Sindical da OIT, a proibição do direito de greve a determinadas categorias de servidores públicos deve ser compensada com o oferecimento, pelo Estado, de mecanismos alternativos de resolução de conflitos, como, por exemplo, a criação de instâncias permanentes de diálogo entre os representantes dos servidores e os gestores públicos.

Além dessa questão, o projeto traz algumas outras exigências polêmicas, a saber:

- Exigências a serem cumpridas pelos servidores grevistas no prazo de 15 dias entre a deflagração da greve e o início da paralisação. De acordo com a proposição legislativa, os servidores deverão neste período seguir os seguintes requisitos, sob pena de ilegalidade da greve:

a) Demonstração quanto à realização de negociação prévia com a Administração Pública;

b) Comunicação à autoridade superior do órgão ou Poder respectivo;

c) Apresentação de um “plano de continuidade dos serviços públicos ou atividades estatais”;

d) Informação à população sobre a paralisação e as reivindicações apresentadas ao Poder Público;

e) Apresentação de alternativas de atendimento ao público.

Algumas exigências mencionadas no projeto, em especial aquelas pertinentes à elaboração de um “plano de continuidade dos serviços públicos”, à “informação à população a respeito do movimento” e à “apresentação de alternativas de atendimento ao público” no prazo de 15 dias pode representar, em alguns casos concretos, a inviabilização em absoluto do direito à greve.

Certas atividades desempenhadas pelo Poder Público possuem tamanho grau de complexidade que a implementação de tais medidas pelos servidores grevistas e por seus sindicatos naquele exíguo prazo afigurar-se-á consideravelmente difícil, senão impossível.

Além disso, a proposta, ao impor aos servidores grevistas e aos seus sindicatos a elaboração de tais “planos” e “alternativas” de atendimento à população, repassa aos referidos indivíduos e às suas entidades representativas obrigações funcionais que incumbem ao Poder Público, e não a terceiros, independentemente da existência ou não de movimento paredista.

- Suspensão automática da remuneração correspondente aos dias parados, limitando-se a compensação a 30% do período correspondente à paralisação. A proposição cria, nesse particular, restrição que não só cerceia de maneira desproporcional o exercício do direito fundamental à greve por parte dos servidores públicos, como também acaba por criar potenciais prejuízos à própria continuidade na prestação dos serviços públicos e, em última instância, à própria população.

Ora, se a administração pública só poderá compensar 30% dos dias parados, os sindicatos de servidores públicos não se sentirão motivados a negociar a reposição desses dias quando do término da greve. Os servidores sentir-se-ão, nesse caso, mais propensos a voltar ao serviço sem compensar os dias parados, de modo a prejudicar – aí sim – a população.

Imagine-se a aplicação de tal dispositivo aos professores das universidades públicas. Se seus sindicatos não puderem compensar a totalidade dos dias parados, o calendário acadêmico seria retomado sem a reposição das aulas perdidas e, ao fim, os alunos seriam amplamente prejudicados.

- Aplicação da Lei de Improbidade Administrativa no caso de compensação de dias parados superior ao período de 30% da paralisação. Vale destacar que equiparar a compensação dos dias parados ao crime de improbidade administrativa significa penalizar a própria população.

- Relação de atividades tidas como “essenciais – rol exemplificativo. Segundo a redação do artigo 17 do projeto de lei, são classificados como essenciais 21 atividades desempenhadas pela administração pública, sem prejuízo de que outras venham a ser assim classificadas pelo Poder Judiciário. Por serem atividades classificadas como “essenciais”, o PL estabelece percentuais maiores de servidores em atividade no caso de deflagração de greves.

A formulação de uma quantidade indiscriminada de atividades essenciais tende a esvaziar o exercício do direito à greve, na medida em que o restringe de maneira desproporcional. Justamente a fim de evitar tal situação, o Comitê de Liberdade Sindical da OIT vem reafirmando que só podem ser classificadas como atividades essenciais para fins de limitação do exercício do direito à greve aqueles serviços públicos exercidos por funcionários investidos do poder de exercer autoridade em nome do Estado – por exemplo, juízes, auditores-fiscais e diplomatas - ou aqueles cuja interrupção tem o potencial de ocasionar lesão à vida, à saúde e à segurança da população. Apesar de tal enunciado, não é essa a orientação seguida pelo PL ao definir, de maneira ampla, aberta e indiscriminada, a relação das atividades essenciais.

- Exigência de percentual mínimo de 60% de servidores nas atividades essenciais e 50% nas atividades não-essenciais. Os percentuais exigidos pelo PL com vistas à manutenção das atividades desempenhadas pelos servidores públicos esvaziam por completo o direito de greve.

Ora, se as categorias deverão manter contingentes a variarem de 50% a 60% a depender da natureza da atividade, a pressão a ser exercida sobre o Poder Público em decorrência da paralisação dos serviços (que configura a essência do direito à greve) não surtirá qualquer efeito. Ou seja, a figura da greve no serviço público passará a existir não mais como um efetivo direito fundamental, mas sim como uma mera formalidade sem qualquer possibilidade fática de atingir seus objetivos institucionais.

Nesse particular o Comitê de Liberdade Sindical da OIT deixa claro que a imposição de um número mínimo de trabalhadores em atividade não pode ser extensa a ponto de inviabilizar o exercício do direito à greve.

O PL, nesse ponto específico, faz exatamente o contrário do que orienta a OIT. Portanto, é necessário que os parlamentares sejam extremamente cautelosos na análise do tema, para não transformarem em letra morte o direito fundamental de greve, cuja previsão constitucional, antes de configurar uma dádiva do legislador, foi resultado de intensa luta por parte dos servidores públicos e de suas associações de classe.

* Paulo Roberto Lemgruber Ebert é advogado do escritório Roberto Caldas, Mauro Menezes & Advogados e Doutor em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo – USP.



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