Portal O Debate
Grupo WhatsApp

As lições da modulação de efeitos na declaração de inconstitucionalidade

As lições da modulação de efeitos na declaração de inconstitucionalidade

02/02/2022 Andre Henrique Azeredo Santos

A Constituição Federal é a norma jurídica fundamental do ordenamento jurídico brasileiro.

É ela, portanto, quem dá fundamento de validade aos demais atos normativos, sendo esse o racional que deu origem à ideia de que a norma violadora da Constituição, formal ou materialmente, deve ser declarada nula desde a origem, como se nunca tivesse existido (eficácia retroativa natural da declaração de inconstitucionalidade).

Sem dúvida, o sistema jurídico não pode conviver com qualquer lei que ofenda a sua norma fundamental superior (a Constituição).

A aplicação de efeitos retroativos em todo e qualquer caso de declaração de inconstitucionalidade, porém, poderia levar à instabilidade jurídica.

Sendo assim, em nome da previsibilidade/confiabilidade dos atos estatais em geral, criou-se a modulação de efeitos da declaração de inconstitucionalidade.

A ideia é que não sejam aplicados os naturais efeitos retroativos da declaração de inconstitucionalidade se houver razões de segurança jurídica ou de interesse social que justifiquem tal postura (art. 27 da Lei nº 9.868/1999 c.c. art. 927, §3º, do CPC).

Logo, tal medida só pode ser absolutamente excepcional, pois significa afastar os naturais efeitos decorrentes da nulidade absoluta da norma inconstitucional.

Apesar de a Constituição definir expressamente quais fatos podem ser tributados, é comum que tais normas constitucionais sejam desrespeitadas.

Por exemplo, segundo a jurisprudência recente do Supremo Tribunal Federal (STF), o legislador desrespeitou a Constituição quando autorizou a cobrança: a) do diferencial de alíquotas do ICMS sem que, antes, o tema fosse regulamentado em lei complementar nacional (tema 1093 de repercussão geral); e b) de ICMS em patamar mais gravoso para serviços de telecomunicação e de energia elétrica, contrariando o princípio constitucional da seletividade (tema 745 de repercussão geral).

Ambos os casos foram julgados ao longo do ano de 2021. E a questão que se pode levantar é a seguinte: O que os casos mencionados têm em comum?

Nestes casos, o STF deixou de aplicar os naturais efeitos retroativos da declaração de inconstitucionalidade, com a ressalva, apenas, das “ações judiciais em curso”, pensando em proteger os cofres públicos diante da atual crise econômica decorrente da pandemia do coronavírus.

Além disso, o STF deu ao legislador ordinário um prazo extra para se adaptar à sua decisão: a) no caso do diferencial de alíquotas do ICMS, a inconstitucionalidade só valeria a partir de 2022; e b) no caso da seletividade do ICMS, a decisão só valerá em 2024.

Em um contexto no qual os julgamentos demoram anos (em alguns casos, até décadas) para se encerrar, com a modulação dos efeitos, o Fisco ganha uma proteção extra (além da prescrição), muito embora tenha cobrado tributo indevido por anos (até décadas).

Assim, podemos extrair algumas lições dessa situação. Em primeiro lugar o caráter educativo (no mal sentido) que ela traz, já que gestores públicos podem criar tributos inconstitucionais e cobrá-los por anos a fio sabendo que, se um dia tal cobrança for declarada inconstitucional, os cofres públicos terão uma proteção adicional (além da prescrição), qual seja, a modulação de efeitos.

Além disso, para os contribuintes, fica o “dever” de entrar com qualquer medida judicial sobre inconstitucionalidade tributária, a fim de se proteger de eventual modulação.

Em um quadro de crise econômica e de pandemia mundial, é compreensível que o STF queira proteger o Erário.

Acontece, todavia, que essa proteção que pensa apenas no interesse financeiro do Estado, a curto e médio prazo, pode gerar efeitos danosos a longo prazo.

A pedagogia da modulação acaba ensinando aos gestores públicos que, na prática, compensa cobrar tributo indevido, sobretudo porque: a) muitos contribuintes sequer buscam a recuperação do indébito, pelos baixos valores envolvidos; e b) há certa resistência do STF em aplicar a modulação para proteger os contribuintes.

É o caso, por exemplo, da discussão sobre a não incidência de contribuições previdenciárias sobre o terço de férias (tema 985 de repercussão geral): contrariando histórica jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), firmada com efeito vinculante em 2014, o STF declarou a validade da cobrança sem proteger os contribuintes que, durante anos, confiaram na decisão do STJ sobre o tema, pela invalidade da cobrança, em uma situação que, inclusive, é causa legal expressa para que haja a modulação de efeitos (art. 927, §3º, do CPC).

Há pedido de modulação nesse caso, mas se nota certa resistência em deferi-lo. Para o Fisco, então, fica o ensinamento de que a “inconstitucionalidade compensa”.

Do lado dos contribuintes, a postura atual do STF é um incentivo à litigiosidade, na contramão do espírito do CPC/2015 e da nova relação entre Fisco e Contribuinte, pautada em instrumentos extrajudiciais de resolução de conflitos (negócio jurídico processual, transação tributária, etc).

A modulação, da forma como realizada, gera uma corrida ao Judiciário, tornando-o mais lento como um todo.

Em resumo, a lição principal que fica da aplicação desmedida do instituto da modulação de efeitos em matéria tributária é a seguinte: irresponsabilidade jurídica do Estado na criação de tributos e aumento da litigiosidade.

Nesse cenário, é tempo de tratar a modulação de efeitos como ela foi pensada originalmente. Ou seja, como uma medida de cabimento absolutamente restritivo e excepcional.

* Andre Henrique Azeredo Santos é sócio do FAS Advogados.

Para mais informações sobre modulação de efeitos clique aqui…

Publique seu texto em nosso site que o Google vai te achar!

Fonte: RPMA Comunicação



Hiperjudicialização da saúde no Brasil: gargalos e soluções

A hiperjudicialização da saúde no Brasil é um fenômeno crescente que tem gerado preocupações significativas no sistema Judiciário.

Autor: Natália Soriani


Obra analisa direitos familiares sob o viés da afetividade

Com o intuito de aprofundar os aspectos constitutivos da afetividade familiar, o doutor em Direito Caio Morau assina livro em que analisa modelos de uniões cujo reconhecimento é reivindicado por setores da sociedade, como as poligâmicas, concubinárias e incestuosas.

Autor: Divulgação


Terrenos de marinha são diferentes de praia

A Proposta de Emenda à Constituição dos terrenos de marinha (PEC 3/2022), a chamada PEC das Praias, tem fomentado debates.

Autor: Fabricio Posocco


O que você precisa saber sobre pensão alimentícia

A pensão alimentícia é um direito fundamental garantido pela legislação brasileira, assegurando que dependentes, especialmente filhos menores, recebam o suporte financeiro necessário para seu sustento, educação e bem-estar.

Autor: Divulgação


A inadequação da mediação obrigatória pré-judicial

Nos últimos anos, a sobrecarga do sistema judiciário brasileiro tem provocado o debate acerca da obrigatoriedade da tentativa de solução extrajudicial de conflitos antes do ajuizamento de ações judiciais, como uma forma de comprovar o interesse de agir.

Autor: Suzana Cremasco


Novas regras de combate ao telemarketing abusivo entram em vigor

A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) implementou uma série de novas medidas para combater o telemarketing abusivo, reforçando a proteção dos consumidores brasileiros.

Autor: Divulgação


Licença-maternidade sem carência para as autônomas

Foi uma decisão histórica, e com 25 anos de atraso!

Autor: Nayara Felix


Recorde de queixas contra planos de saúde e a necessidade de mudanças

Nos últimos dez anos, o Brasil testemunha um aumento alarmante nas queixas de consumidores contra planos de saúde.

Autor: Natália Soriani


Conflitos condominiais

Tipos de ações judiciais e maneiras eficientes de resolvê-los.

Autor: Divulgação


Se a doença é rara, o tratamento não pode ser

13 milhões de brasileiros convivem hoje com doenças raras, de acordo com o Ministério da Saúde.

Autor: Thayan Fernando Ferreira


O perigo da pejotização para as startups

Os recentes conflitos envolvendo a Uber e a justiça trabalhista em ações que reivindicam o vínculo de emprego de motoristas junto à empresa ganhou a atenção da sociedade e até do Palácio do Planalto.

Autor: Ricardo Grossi


Uma boa dose de bom senso em favor do trabalhador gaúcho!

O bom senso precisa falar mais alto, de tal maneira que ninguém saia ainda mais prejudicado nesta tragédia.

Autor: Sofia Martins Martorelli