Aloha presidente Bolsonaro
Aloha presidente Bolsonaro
É fato que em um regime político democrático como o nosso o governante não governa sozinho.
Há alguns dias foi divulgado nos principais meios de comunicação do país o comentário do presidente Bolsonaro em que ele afirma que “não nasceu para ser presidente e que seu cargo é só problemas”.
Segundo a imprensa e assessores próximos do presidente, esse comentário foi feito em tom de brincadeira. No entanto, não deixa de ilustrar bem as dificuldades que o atual presidente está enfrentando nestes primeiros meses de sua gestão.
A situação é decorrente da necessária aprovação da Reforma da Previdência, das quedas precoces de dois ministros, da baixa aprovação de seu governo junto à população, das várias polêmicas envolvendo ele próprio, seus filhos e ministros, etc.
É fato que em um regime político democrático como o nosso o governante não governa sozinho. Ele precisa de apoio do Congresso Nacional, dos empresários, da sociedade civil organizada, da opinião pública e dos meios de comunicação.
Era sabido que o presidente Bolsonaro, como qualquer outro que fosse eleito em seu lugar, teria que lidar e costurar uma ampla aliança em torno de um interesse maior: a estabilidade política, econômica e social do país.
É ouvindo comentários como o do presidente carregados de certo desespero e que talvez representem alguém que não se encontrou ainda no cargo - o qual se propôs a ocupar - que eu enxergo certo despreparo de certas lideranças políticas em nosso país.
Tal despreparo é por vezes o divisor de águas entre a facilidade e a dificuldade em governar, em saber ou não liderar uma nação, como já alertou séculos atrás Nicolau Maquiavel no livro O Príncipe, escrito em 1532. Muitos governantes não levam em conta que para governar, sobretudo um país das nossas dimensões e complexidades, ter só a fortu (ou sorte) não basta. Não compreendem que é preciso também possuir a “arte de governar” (virtu).
Maquiavel se refere ao termo fortu como sendo “a sorte” com a qual o governante foi agraciado pelo acaso para chegar ao poder. A fortu explica o sucesso de muitos governantes em conquistar eleições e chegar ao poder sem esforços ou mesmo não tendo um programa de governo claro e nem habilidades políticas e de gestão. Isso ocorre muito aqui nas terras brasileiras vide nossos últimos ocupantes do cargo de presidente.
Já a virtu, segundo Maquiavel, consiste nas qualidades pessoais que o governante deve possuir e que são representadas pela qualidade da energia, do vigor, da resolução, do talento, do valor bravio, etc. Incluem-se também as ditas habilidades de adaptação que os governantes devem manejar de acordo com as particularidades de cada momento em seu governo para superar os infortúnios da função.
A lição de Maquiavel é clara: a fortu não é por si só suficiente para o governante governar como um líder. Não é suficiente porque a fortu ou sorte pode virar o jogo a qualquer momento e colocar o governante em situações extremas, deparando-o com problemas não previstos, sobretudo aqui no Brasil, onde o presidente vive e convive entre o oportunismo político das elites políticas.
Essa situação amiúde desencadeia um governo construído sob uma base de apoio de aliados oportunistas. O governante se vê em desespero quando a onda da sorte em que surfava está lhe deixando na mão.
Aloha presidente, cabe agora demonstrar sua virtu para conseguir o “aéreo” para continuar a surfar na onda da sorte. Essa foi uma situação típica dos últimos governantes que não conseguiram arrebentar com manobras virtuosas os imprevistos e problemas que enfrentaram em seus governos.
Sentindo o peso dos primeiros desafios dos muitos que se avizinham o presidente Bolsonaro bem descontraído recorre ao humor em seus comentários. Mas cá entre nós, sabemos que no fundo todo tom de brincadeira pode carregar consigo um viés de verdade.
* Doacir Gonçalves de Quadros é Professor Universitário.
Fonte: Doacir Gonçalves de Quadros