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Escravidão e trabalho escravo

Escravidão e trabalho escravo

31/10/2017 Luiz Sayão

Em pleno século 21 a escravidão é realidade.

Escravidão e trabalho escravo

No Brasil, o número de pessoas que vivem em condições de trabalho escravo está entre 150-200 mil. A cifra mundial é atroz! São 46 milhões de pessoas em condição de escravidão no mundo, conforme a Walk Free Foundation.

A Índia possui cerca de 18 milhões de escravos. Na Ásia, China, Paquistão, Bangladesh, Uzbequistão, Coreia do Norte, são o ambiente onde a escravidão está mais presente no mundo. Na África, a escravidão também é realidade, sendo até legalizada em alguns contextos.

Na Mauritânia a escravidão foi abolida em 1981, mas a prática ainda persiste no país. O continente tem cerca de 3 milhões de escravos, principalmente na África ocidental. A escravidão é lembrada como obra de colonizadores portugueses, espanhóis e ingleses que superlotavam os porões dos navios negreiros, trazidos para a América.

Todavia, a prática sempre esteve presente na história, tendo sido abolida na civilização ocidental, de influência cristã. A escravidão aparece nos primórdios da história, quando povos vencidos em batalhas eram escravizados. Babilônios, egípcios, assírios, romanos, gregos e até hebreus conheciam a escravidão (Êxodo 21-23).

Na Bíblia, a escravidão, como a conhecemos na história recente, era severamente punida: Aquele que sequestrar alguém e vendê-lo ou for apanhado com ele em seu poder, terá que ser executado. (Êx 21.16) Todavia, as Escrituras nunca a proibiram de maneira direta. Escravos são tratados como realidade comum na Bíblia.

A escravidão por dívida era comum. Mas, sob a experiência com Deus, os autores bíblicos destacam a importância de se tratar o escravo com dignidade. A escravidão foi atenuada.

As leis voltadas para a proteção dos trabalhadores, ecoadas tantas vezes nos profetas, impressionam (Dt 24.14-18): “Não se aproveitem do pobre e necessitado, seja ele um irmão israelita ou um estrangeiro que viva numa das suas cidades. Paguem-lhe o seu salário diariamente, antes do pôr-do-sol, pois ele é necessitado e depende disso. Se não, ele poderá clamar ao SENHOR contra você, e você será culpado de pecado. Os pais não serão mortos em lugar dos filhos, nem os filhos em lugar dos pais; cada um morrerá pelo seu próprio pecado. Não neguem justiça ao estrangeiro e ao órfão, nem tomem como penhor o manto de uma viúva. Lembrem-se de que vocês foram escravos no Egito e de que o SENHHOR, o seu Deus, os libertou; por isso lhes ordeno que façam tudo isso”.

A ideia de que o ser humano é imagem de Deus (Gn 1.26), aliada ao conceito de que só Deus é Senhor (ninguém mais pode sê-lo), e o conceito de que o rei está sujeito a uma lei maior (princípio de constituição), superior (Dt 17), traçaram um caminho na direção de um igualitarismo que, por definição, rejeita a prática da escravidão.

Na época de Cristo, calcula-se que 60% dos habitantes do Império Romano eram escravos! Os ensinos de Jesus, com seu conceito de amor, fraternidade e perdão, colocam em cheque a escravidão. Ainda que não o faça de modo político e sistemático, o Novo Testamento estabelece as bases da rejeição da escravidão.

O amor cristão é a força subversiva que rejeita a exploração humana. Isso pode ser visto em um livro do Novo Testamento, Filemom, dedicado ao relacionamento entre escravo e senhor no alvorecer do cristianismo igualitário. Desde os tempos mais antigos, um escravo era legalmente definido como uma mercadoria comprada, vendida ou trocada por uma dívida, sem que o escravo pudesse exercer objeção legal.

A escravidão era aceita e logo tornou-se essencial para a economia e a sociedade de todas as civilizações do passado. Comum na Ásia, na Europa e na África, achou lugar também nas civilizações pré-colombianas, onde os escravos eram empregados na agricultura e no exército. A escravidão ganhou proporções elevadas na história ocidental quando os europeus passaram a colonizar outros continentes, com o triunfo da mentalidade mercantilista.

Foi nesse contexto que se expandiu a escravidão negra. Muitos reinos africanos e árabes passaram a vender escravos para os europeus, até porque já a praticavam há muito. As cifras da escravidão perpetrada pelos árabes islamizados chega a mais de milhão de pessoas. O problema da escravidão negra, porém, ganhou contornos particulares. Em primeiro lugar, cruel e durou três séculos.

Além disso, foi praticado e tolerado pela Europa “cristã”, e, posteriormente, foi “legitimada” por teorias racistas, que pregavam a inferioridade étnica dos povos africanos. Muitos cristãos protestantes inclusive consentiram com a escravidão, a ponto de a justificarem “teologicamente”.

Hoje, parece que as coisas não mudaram muito! Enquanto o mundo morre de fome, doenças e guerras horríveis, muitos religiosos, inclusive cristãos, são insensíveis diante da escravidão e do trabalho escravo. A postura bíblica legítima contra a escravidão pode ser vista em John Wesley, fundador do metodismo.

No século 18, a Inglaterra tinha o monopólio do comércio de escravos e tirava proveito do comércio, além de que o povo, de maneira geral, aceitava a escravidão. Havia aqueles que se enriqueciam com o comércio de açúcar e de escravos, e que defendiam o escravagismo.

Wesley publicou, em 1774, um ensaio intitulado: “Pensamentos sobre a Escravidão”, rejeitando sua defesa. Ele mostrou sua admiração e respeito para com a população negra. Condenou também a crueldade da captura dos escravos e as condições desumanas do transporte dos mesmos.

Para Wesley, a liberdade era um direito inalienável de toda a criatura humana, tanto dos brancos como dos negros. No Brasil, a escravidão começou com a produção de açúcar no século 16. Os portugueses traziam os negros africanos para utilizar como mão-de-obra escrava nos engenhos de açúcar do Nordeste.

O transporte era feito nos porões dos navios negreiros, descritos por Castro Alves. Amontoados, em condições desumanas, muitos morriam antes de chegar ao Brasil, tendo seus corpos lançados ao mar. Apesar de pouco difundida, a escravidão indígena foi uma realidade no Brasil do século 16. O período de 1540-70 marcou o apogeu da escravidão indígena, especialmente nos engenhos de Pernambuco e Bahia.

Ali os colonos conseguiam escravos índios, roubando-os de tribos que os tinham aprisionado em suas guerras e, também, atacando as tribos aliadas. Essas incursões às tribos, conhecidas como “saltos”, foram consideradas ilegais, tanto pelos jesuítas como pela Coroa.

Mas o interesse econômico falou mais alto e, dessa forma, fazia-se vista grossa às investidas. O regime de trabalho nos canaviais era árduo. Os jesuítas pressionaram a Coroa e intensificaram as ações contra a escravidão, promovendo intenso programa de catequização dos índios.

É triste, mas a escravidão perdeu força por razões econômicas. No início da revolução industrial, desejosa de vender os produtos da revolução industrial, a Inglaterra combateu a escravidão. A partir da metade do século 19, interessada em ampliar o mercado consumidor no Brasil e no mundo, a Inglaterra aprovou a Lei Bill Aberdeen (1845), que proibia o tráfico de escravos, dando o poder aos ingleses de abordarem e aprisionarem navios de países que mantinham a prática.

Em 1850, o Brasil cedeu às pressões e aprovou a Lei Eusébio de Queiroz que acabou com o tráfico negreiro. Em 28/09/1871 foi aprovada a Lei do Ventre Livre, dando liberdade aos filhos de escravos nascidos a partir daquela data. Em 1885 era promulgada a Lei dos Sexagenários que garantia liberdade aos escravos com mais de 60 anos de idade. Mas foi somente no final do século 19 que a escravidão foi proibida no mundo ocidental.

No Brasil, a abolição chegou em 13 de maio de 1888 com a promulgação da Lei Áurea, pela Princesa Isabel. Apesar disso, o fantasma da escravidão e do trabalho escravo volta a rondar o mundo. O tráfico de pessoas é uma das atividades criminosas mais lucrativas. Milhares de pessoas são vendidas e escravizadas em todo o planeta. Muitos trabalham em colheitas, muitas mulheres são escravas sexuais, entre tantas práticas cruéis.

A pergunta precisa ser feita: Por que um mundo tão desenvolvido tecnologicamente se volta para uma prática tão horripilante como a escravidão? Não é difícil responder! A resposta está em duas constatações. A primeira é que o ser humano passou a não ter mais valor intrínseco na sociedade atual. O ser humano foi feito “à imagem e semelhança de Deus” (Gn 1.26), e tem dignidade.

Qualquer pecado contra o homem é um pecado contra Deus (Gn 9.6). Todavia, o ser humano hoje é visto apenas como um animal, ou uma mercadoria! A vida humana não tem valor absoluto. Matar virou rotina. A segunda razão é o triunfo horroroso da visão mercantilista do contemporâneo que sugere que a realidade absoluta é o dos bens de consumo.

Destituída de valores e de significado, a sociedade atual afunda-se numa busca frenética por algo que lhe dê sentido. Perversamente enganada, é levada ao consumismo, referencial de valoração atual.

A vida torna-se um “correr atrás de bugigangas inúteis”! Neste quadro, tudo é válido quando se deseja mais dinheiro. Até a fé virou mercadoria! Mas a Palavra de Deus permanece clara e contundente em 1 Timóteo 6.10: “O amor ao dinheiro é a raiz de todos os males”.

Precisamos de gente que não se venda, alinhada com os valores bíblicos, que trabalhe para uma sociedade mais justa, combatendo o horror da escravidão e do trabalho escravo com todas as forças!

* Luiz Sayão é pastor, teólogo e hebraísta da Igreja Batista Nações Unidas (São Paulo-SP).



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