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O homem do carro de boi

O homem do carro de boi

07/09/2020 Daniel Medeiros

Semana da Pátria é tempo comemorações oficiais, desfiles oficiais, pronunciamentos oficiais, hinos e bandeirinhas.

Ninguém entende exatamente o que está sendo comemorado, mas lembramos da data com alegria porque é um feriado.

Não entendemos porque nunca fomos, assim, independentes, nós, o povo, exceto os lá de cima, a espuminha do leite, o pessoal da classe AAA gargalhada.

Para os demais, independência é passar pela polícia sem levar um corridão, não ser barrado na entrada do shopping, mesmo aceitando de boas a cara feia dos seguranças, tão parecidos com qualquer um de nós, tão diferentes no seu empoderamento de terninho escuro e crachá.

Independência é conseguir negociar as dívidas no Serasa, aproveitando aqueles mutirões que reduzem a dívida de 100 para 10, e daí embarcar em outras “loucuras” de comprar tênis pros meninos e aquela bolsa com a marquinha feita pela adolescente vietnamita pra filha mais velha. E uma festinha de vez em quando, porque ninguém é de ferro.

Pátria, pátria, o que é isso? Algo de comer? Algo pra ter? E carregar de que jeito? Do lado esquerdo do peito carregamos as amizades, na cabeça as preocupações e as lembranças boas ou más, o nome daquela pessoa nunca esquecida.

Nas mãos, a carteira de trabalho, a sacolinha da feira, uma outra mão apertada (pra quem tem sorte), a faca, a arma, a barra de ferro, pra quem não tem nada e/ou quer tirar o nada do outro, tirar a vida de quem não tem nada só pra ver o coitado perder tudo.

Nos olhos, como é possível ver a Pátria? O ar poluído, os rios secando, os bichos morrendo, as cidades sufocantes, os serviços precários, a saúde periclitante, os governantes obtusos, onde é possível ver a Pátria?

E por que Pátria? Em um país onde três crianças ou adolescentes são abusadas sexualmente por hora, quem quer Pátria? Prefiro minha mãe, mulher, Mátria que me pariu, alma protetora.

Em 1888, o artista Pedro Américo terminou de pintar o quadro mais famoso sobre a Independência, por encomenda do imperador D. Pedro II, que queria dar uma melhorada na imagem da família real e lembrar que fora seu pai quem a proclamou.

O quadro ficou pronto no mesmo ano da abolição - depois de 66 anos de escravidão fiadas pelo poder dos imperadores pai e filho -  e um ano antes da República, que também é comemorada, mas sem o mesmo brilho oficial do 7 de setembro.

Pedro Américo estava em Florença e ele mesmo confessou que não havia como comparar o que aconteceu com o que ele pintou, porque muito tempo já havia passado e, oras, o artista pode exercer a sua criatividade como quiser.

Mas o que Pedro Américo nunca soube é que ele pintou um quadro da Independência do Brasil do futuro, do século XXI.

Um quadro ultra-realista, de uma honestidade ímpar. Isso se revela quando olhamos para o canto esquerdo (eu diria, na extrema esquerda, mas não tanto) do quadro, onde aparece um homem com a roupa em frangalhos, o dorso nu, os pés descalços, virando o rosto para ver do que se tratava aquela gritaria que assomava às suas costas.

Observem que ele vinha passando, não fazia parte da paisagem, pois ele não é e nunca foi independente e não estava nos planos da independência dos que brandiam suas espadas para o nada, como crianças pançudas que brincam de mocinho e bandido.

O homem pobre era, provavelmente, um cumpridor de ordens e carregava toras de madeira no carro de boi que provavelmente não era seu.

Aliás, observem a paisagem desolada de natureza ali no fundo do quadro. Só na direita, escondidinha, vê-se umas bananeiras e umas arvorezinhas.

O quadro de Pedro Américo é o melhor retrato do Brasil de hoje. Enquanto os governantes em uniformes luzidios, cheios de medalhas de batalhas nunca travadas, lançam perdigotos ao léu falando em povo pra lá e povo pra cá, o povo, esse incauto, puxa seu carro de bois, como a pedra de Sísifo, sem projeto e sem horizonte.

“Independência ou morte” é o nome do quadro. “Grito do Ipiranga” foi como ficou conhecido. Faz sentido. É o que se pode dizer dele. Eu o chamo de “O homem do carro de boi”. É o que vejo de mais verdadeiro nele.

* Daniel Medeiros é doutor em Educação Histórica e professor no Curso Positivo.

Fonte: Central Press



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