Quem está sendo punido?
Quem está sendo punido?
Nestes últimos dias, o episódio do estupro da menina de 10 anos, de sua gravidez e interrupção da gestação chamaram a atenção de todos nós brasileiros.
Apesar do amparo legal e decisão judicial para o procedimento de interrupção da gravidez, houve uma onda de protesto em nosso país, tanto a favor quanto contrariamente. As opiniões a respeito destes fatos se dividem.
A grande verdade é que não dá para fechar os olhos com toda a história de vida que envolve aquela menina de 10 anos, uma criança.
Pode-se dizer que o abuso sexual ocorrido evidencia o encontro da maldade de um adulto com a ingenuidade de uma criança; da perversidade com a delicadeza; da crueldade com a candura e inocência.
Certamente, toda pessoa de bem ficou terrivelmente incomodada com o ocorrido com a menina, aquela criança, aquele ser humano, que, segundo informes da mídia, era abusada desde os seis de idade.
Com a gravidez, o caso veio à tona, descobrindo-se que, quem deveria dar atenção e cuidado, o tio da menina, era seu abusador, estuprador, opressor, o seu inimigo número 1.
Diante do ocorrido, a família da menina, decidiu por interromper a gravidez, tudo isso permitido pela lei brasileira, com a devida autorização judicial, por alvará jurídico.
Mas, esta decisão não agradou a muita gente. Por se tratar de um tema polêmico, complexo, as opiniões se dividem, gerando um mal-estar, principalmente, na família.
Contudo, sem entrar no mérito da questão, algumas considerações podem ser feitas, objetivando ampliar a discussão e elucidar alguns fatos, especialmente a violência sexual em que aquela menina foi submetida.
A violência sexual, neste e em muitos outros casos, é silenciada. A gravidez denunciou a violência, o silêncio e o violentador.
Este tipo de violência despotencializa a vida, devasta infância, pois, é um atentado ao direito à dignidade da vida, de ser criança, de ser respeitada e de viver uma vida livre do domínio e da opressão de um adulto cruel, violento, covarde e impiedoso.
Os “defensores da vida” foram ágeis na crítica, algumas com muita crueldade. Outros, considerando-se o viés do cuidado com a criança, agiram em defesa do abortamento, caracterizado como “sentimental” ou “moral”, cuja permissão é oriunda da lei.
O fato em si é uma atrocidade, brutalidade, desumanidade. Quem deveria cuidar, abusa, maltrata, estupra. É triste.
E a tristeza é ainda maior quando se constata que este não é um caso isolado em nossas casas, ruas, bairros e cidades.
Muitas famílias têm convivido com situação semelhante – abuso sexual e estupro de crianças - o que nos leva à conclusão de que, como seres humanos e sociedade, precisamos fazer algo para mudar esta realidade.
O estupro daquela menina, e outros tantos que acontecem cotidianamente, mesmo que ocorram no anonimato, traduzem, por um lado, a escuridão da alma humana.
Por outro, a ferocidade, bestialidade e a covardia de indivíduos que se desumanizam cada vez mais. Em tudo isso vemos a fragilidade dos vínculos humanos, e por isso, o nexo proximal entre “amor” e “maldade”.
Uma pergunta, neste caso, fica a ser respondida: quem de fato está sendo punido ao interromper a gravidez?
Do ponto de vista legal, era o possível a ser feito. Tudo dentro da lei. Do ponto de vista moral, uma criança poderia ser orientada a prosseguir com a gravidez, tendo o seu corpinho em formação?
Questões religiosas a parte, o dilema da existência humana, marcada pela maldade, confirma o preceito da narrativa bíblica: “um abismo, chama outro abismo”.
A criança gerada por meio desta violência é impedida de nascer, sendo, portanto, punida. A criança violentada teria que arcar com uma gravidez sem ter condições (?) físicas e emocionais para tal?
Diante deste episódio, desta história, de fato, toda a humanidade é violentada e punida, e isso, em cada um dos eventos que envolvem aquela menina, sua vida e sua existência.
Enfatiza-se este aspecto, porque muitas vezes a crueldade permeia o seio familiar; tornamo-nos incapazes de cuidar dos infantes e não damos voz, vez, e muito menos ouvimos a voz de um (a) filho (a).
Diante de uma tragédia, como esta que aconteceu, um ato de violência desta monta, nos ferimos com julgamentos e acusações de todos os lados, o que revela o quanto somos humanos e desumanos, e como tal, a distância que estamos da humanização.
A vida é um bem maior. Mas que tipo de vida desejamos? Manter a gravidez de uma criança, fruto de um ato de tremenda violência e brutalidade? A partir da perspectiva, devemos valorizar o ser, a vida, a criança, a menina?
De fato, responder a estes questionamentos nos coloca diante de um dilema que atinge a todos nós como humanidade, desumanizada.
Escancara o quanto nos distanciamos do ideal de vivermos e convivermos dentro de um padrão de normalidade.
Tudo isso nos convida a pensar que algo precisa ser feito. Mesmo como abortamento, a menina, lá do Estado do ES, precisará ser acompanhada, cuidada e protegida, pois a cicatriz pode nunca cicatrizar.
Essa família, por mais que façamos objeções à escolha de interrupção da gravidez, ficará também marcada por esta atrocidade e sofrimento.
Tempos difíceis, conturbado, desafiador. Aliás, tempos de violência. Contudo, a vida não perde o seu valor, sua substancialidade e seu lugar primevo, por mais que brutalidades aconteçam.
Tempos difíceis, mas eles podem ser minimizados se as acusações deixarem de existir, uma vez que em qualquer ato violentador, todos nós estamos punidos a nós mesmos.
* Reinaldo Arruda Pereira é professor de bacharel em Teologia na Faculdade Batista de Minas Gerais, com Doutorado em Ciências da Religião.
* Wagno Alves Bragança é professor de bacharel em Teologia na Faculdade Batista de Minas Gerais, com Mestrado em Educação.
Fonte: Naves Coelho Comunicação