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A revolta dos manés

A revolta dos manés

16/08/2025 Katia Magalhães

A expressão que dá título a essas linhas não brotou da minha criatividade.

Exibida em um cartaz durante protesto contra o ministro Alexandre de Moraes e contra Lula, no dia 03/08, em Copacabana, ela chamou minha atenção por sintetizar o ineditismo e a gravidade da nossa crise atual.

Revoltas abundaram em nossa história e, no período da Nova República, motivaram passeatas contra os mais diversos chefes do Executivo, assim como críticas ácidas à corrupção dos governantes de plantão e até a aspectos das políticas econômicas e fiscais por eles conduzidas.

Pela primeira vez, porém, vamos às ruas bradar pela remoção de um magistrado e execrar decisões judiciais que, apesar de proferidas em casos específicos, são enxergadas como risco iminente também às nossas liberdades individuais.

Percebemos togados de cúpula como sendo os únicos “políticos” efetivamente detentores do poder de mando e seus despachos como “leis” passíveis de aplicação geral. Como chegamos a tamanha distorção?

Em artigo primoroso intitulado “Manual republicano de contenção hermenêutica”, o colega Leonardo Corrêa aludiu a certas teorias jurídicas como instigadoras da patologia de juízes que se afastaram da literalidade da norma para se converterem em protagonistas, transformando o texto legal em coadjuvante, rebaixando cláusulas pétreas da Constituição a vitrines e fazendo da corte suprema um laboratório de experimentos hermenêuticos.

As preferências acadêmicas de togados deitaram raízes para a árvore do autoritarismo, e, creio eu, alguns vícios sistêmicos forneceram adubo suficiente para o crescimento frondoso da planta e para o espraiamento de seus galhos venenosos pelo país.

Dentre tais mazelas, a politização do Judiciário certamente contribuiu para a degeneração institucional, permitindo a distribuição de cargos da magistratura a diversos profissionais de saber jurídico duvidoso e reputação nada ilibada, mas beneficiados por políticos influentes e investidos na toga como “patronos fiéis” de seus padrinhos.

Desde o quinto constitucional dos tribunais de justiça e dos tribunais regionais federais, passando pelo sexto constitucional junto ao STJ e chegando às nomeações exclusivamente políticas ao Supremo, a conversão de advogados em togados por sucessivos “toques de mágica” operados no seio da OAB, dos tribunais e do universo político propriamente dito vem favorecendo a promiscuidade entre julgadores e partes por eles julgadas e reforçando a percepção de julgamentos como jogos jogados, em particular no tocante às causas de maior monta ou àquelas envolvendo interesses pessoais de poderosos da nossa republiqueta.

Da mesma forma, a falha no controle externo do único poder não-eleito e a certeza da impunidade desempenharam papel nada desprezível na incontinência de nossos togados.

Afinal, no país onde senadores se omitem na implementação dos mecanismos constitucionais de freios e contrapesos, onde a sanção disciplinar mais gravosa a juízes delinquentes consiste na aposentadoria compulsória com manutenção de vencimentos integrais, e, onde o STF é presidido pelo mesmo indivíduo à frente do CNJ, dito órgão fiscalizador, magistrados se sentem à vontade para incorrerem em abusos de todo gênero.

Não à toa, é cada vez menor o nível de confiança do cidadão comum no Judiciário, por ele percebido como instituição injustificadamente dispendiosa, ineficiente, marcada por decisões pouco claras, por cipoais de recursos intermináveis e por arroubos autoritários de togados.

Elemento de destaque no chamado “custo Brasil”, nossa insegurança judicial foi, em boa medida, responsável pela recente abertura de investigações, pelo governo americano, sobre práticas comerciais duvidosas entre nós, já que a maioria absoluta dos fatos apontados envolvia fragilidades do nosso Judiciário, tais como a inconstitucional responsabilização de redes sociais por conteúdos de usuários e a proteção pífia à propriedade intelectual.

Na esfera criminal, onde uma canetada togada pode nos custar nosso direito fundamental ao ir e vir, a insegurança galopou a partir da instauração do Inquérito das Fake News e de todas as suas repercussões monstruosas nos últimos 6 anos, incluindo as prisões ilegais, as condenações a penas estratosféricas por meras manifestações opinativas e a manutenção covarde de pessoas fisicamente vulneráveis em cárcere injusto.

No dia em que escrevo essas linhas, veio à tona o dossiê dos jornalistas Michael Schellenberger, Eli Vieira e David Ágape sobre o esquema torpe montado no coração do TSE para a manutenção, na masmorra, de levas de inocentes incriminados pelo 08.01, cujos únicos “delitos” haviam residido em disseminações de postagens em redes.

Também acaba de ser decretada, por Alexandre de Moraes, a prisão domiciliar de Bolsonaro, pelo mero contato telefônico entre o ex-presidente e seu filho Flávio durante protesto que clamava pela remoção do pseudo-juiz.

Frente a tantas e tamanhas aberrações judiciárias que fizeram da rotina nacional uma distopia, acabamos por nos perceber como manés, como somos designados pelo togado Barroso.

Manés na impotência em reverter, pelo menos em curto prazo, esse cenário tão deteriorado; manés na subjugação diante de um estamento autoritário e, ainda assim, compulsoriamente bancado por nós; manés no receio fundado das consequências assombrosas que possam advir do mero exercício das nossas liberdades.

Manés sim, mas manés cujas críticas foram endossadas pela maior democracia liberal do mundo, e manés que pareceram readquirir a capacidade de protestar de forma ordeira e ao amparo da Constituição.

Para surpresa de nossos potentados de toga, agora somos manés revoltados. E nossa revolta não haverá de ser em vão!

* Kátia Magalhães é advogada formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e MBA em Direito da Concorrência e do Consumidor pela FGV-RJ.

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