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Como a pandemia ocultou as violências contra crianças e adolescentes

Como a pandemia ocultou as violências contra crianças e adolescentes

23/06/2025 Bárbara Pimpão Ferreira

Cinco anos depois, ainda é desafiador entender o impacto que a pandemia teve no enfrentamento às violências contra crianças e adolescentes.

O isolamento social e o fechamento de escolas, necessários para diminuir o ritmo de contágio, transformaram a forma como as violências são percebidas e denunciadas.

Se, por um lado, a crise sanitária obrigou o mundo a repensar prioridades e políticas de proteção social, por outro lado, silenciou milhares de crianças ao privá-las de um importante espaço de acolhimento e denúncia: a escola e outras instituições de atendimento.

O impacto desse silenciamento se reflete nos números. Durante a pandemia, os registros de violência sexual contra crianças caíram, mas não porque os abusos diminuíram — pelo contrário, especialistas apontam que a subnotificação se tornou ainda mais grave.

O fechamento das instituições de ensino e o isolamento dentro de casa impediram que sinais de abuso fossem notados e relatados.

Dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde, ilustram esse problema. Em 2019, antes da crise sanitária, foram registradas 34.212 notificações de violência sexual contra pessoas de 0 a 19 anos.

Já em 2020, primeiro ano da pandemia, esse número caiu 14,4%, com 29.269 notificações. Essa redução, em vez de indicar um avanço, evidencia o impacto do distanciamento social na identificação de situações de violência.

Muitos dos abusos acontecem dentro da própria casa, cometidos por pessoas do convívio das crianças e dos adolescentes.

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública com dados de 2021 apontou que, em casos de estupro com vítimas entre 0 e 19 anos, 83% dos agressores foram familiares ou conhecidos, e mais de 60% desses casos aconteceram na residência, e essas características são observadas também nos anos anteriores.

Sem contato com professores, cuidadores e profissionais da saúde, as crianças perderam contato com espaços estratégicos para identificação da violência e se viram isoladas com seus agressores.

Os números que se seguiram confirmam essa realidade. Em 2023, a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (Disque 100) registrou 9.580 denúncias de violência contra crianças e adolescentes, considerando somente os dados até abril, conforme caminhávamos para o fim da pandemia.

Dessas, cerca de 14% envolviam crimes sexuais. Um aumento de 48,6% no número de denúncias em comparação com o mesmo período do ano anterior. 

Em 2024, o órgão registrou, a cada hora, uma média de 33 denúncias de violações contra crianças e adolescentes. Esse recorte liderou as notificações, com um aumento de 228,5 mil no ano anterior para 289,4 mil.

No total, foram mais de 1,6 milhão registros de violações em 2024 (cada denúncia pode incluir diferentes tipos de violação).

A pandemia também intensificou o uso da internet cada vez mais massivo e precoce por parte de crianças e adolescentes.

Como grande parte desse acesso é feito de forma não supervisionada, meninos e meninas ficam expostos a riscos no ambiente online e, muitas vezes, longe dos olhos de adultos responsáveis ou qualquer outra rede de proteção.

Entre 2019 e 2022, a aliança global WeProtect detectou um aumento de 87% nos casos relatados de violência sexual e psíquica contra crianças e adolescentes nas redes.

Os dados foram revisados a partir de fontes como Unicef e a Representação Especial do Secretariado-Geral da ONU sobre Violência Contra Crianças.

Entre os casos, estão assédio, criação de imagens sexualizadas com uso de inteligência artificial e extorsão. Apenas em 2022, foram cerca de 32 milhões de episódios. 

A violência sexual contra crianças é um problema global e sua real dimensão ainda é desconhecida. Uma análise de 165 estudos, publicado pelo periódico Jama Pediatrics, abrangendo quase um milhão de crianças em 80 países, revelou que entre 8,5% e 15,1% delas já sofreram assédio sexual ao longo da vida.

Quando analisada a violência com contato físico, os números variam de 4,7% a 15,5%. As meninas são as principais vítimas, apresentando taxas mais elevadas de abuso do que os meninos. 

É preciso então preparar profissionais da educação e da saúde para reconhecer sinais de abuso e encaminhar de forma rápida e eficaz aos equipamentos das redes de proteção, a fim de garantir celeridade no atendimento, proteção integral e um espaço seguro às crianças e adolescentes, fortalecendo a rede de proteção.

Cinco anos depois de um momento crítico no enfrentamento às violências contra as infâncias e adolescências, precisamos recolher os aprendizados e agir: qualificar a atuação dos profissionais e instituições; aprimorar a coleta de dados; e fortalecer canais de denúncia acessíveis e eficazes. A ampliação dos esforços nesse combate é uma necessidade urgente.

O impacto da violência sexual na vida das crianças é devastador. Estudos apontam que as consequências podem se estender para a saúde física e mental, além de gerar implicações econômicas tanto em nível individual quanto social.

Crianças que são vítimas de violência sexual têm maior risco de desenvolver transtornos psicológicos, dificuldades de aprendizagem, problemas de socialização e até mesmo menor perspectiva de renda na vida adulta.

O custo dessa violência para a sociedade é imensurável, e medidas preventivas são urgentes para minimizar esses danos.

É preciso romper com a culpabilização das vítimas, a cultura do segredo e o ciclo de silêncio que protege agressores e deixa crianças e adolescentes mais suscetíveis a todas as formas de violência.

* Bárbara Pimpão Ferreira é gerente do Centro Marista de Defesa da Infância.

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Fonte: Central Press



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