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COP 30 e a vitrine do improviso

COP 30 e a vitrine do improviso

08/08/2025 André Charone

Como a falta de planejamento ameaça transformar uma chance histórica em constrangimento internacional.

Faltando pouco mais de três meses para a realização da COP 30, o maior evento climático do planeta, o cenário em Belém, sede do encontro, é preocupante.

O que deveria ser a maior oportunidade da história recente da capital paraense, e da própria Amazônia, de mostrar ao mundo seu valor estratégico e humano, corre o sério risco de se transformar num espetáculo de improviso, precariedade e má gestão pública.

Escrevo isso não como um observador externo, mas como filho de Belém, alguém que nasceu e cresceu entre os igarapés, mercados, feiras e ruas da cidade.

Justamente por conhecer de perto as potências e fragilidades da capital paraense, é doloroso ver uma oportunidade histórica sendo desperdiçada.

Saneamento: um colapso silencioso

Comecemos pelo básico: água, esgoto e lixo. Segundo o Ranking do Saneamento 2025 do Instituto Trata Brasil, Belém está entre as dez piores capitais do país em saneamento.

Apenas 17% da população tem acesso à coleta de esgoto e menos de 4% do esgoto é tratado. A água encanada cobre apenas 73,4% dos domicílios e o índice de perdas na distribuição beira os 50%.

Esses dados seriam alarmantes em qualquer contexto. Mas tornam-se explosivos quando pensamos que em novembro, mês da COP, a cidade estará em plena estação chuvosa, com alagamentos frequentes, esgoto a céu aberto e canais transbordando. A vitrine global do clima poderá, na prática, exibir um retrato de insalubridade e descaso ambiental.

Hospedagem: do luxo ao absurdo

O segundo ponto crítico é a hospedagem. A cidade precisaria, de acordo com projeções do próprio governo federal, de pelo menos 50 mil leitos para acomodar chefes de Estado, delegações, ONGs, mídia internacional e público.

Até o início de 2024, a rede hoteleira oferecia cerca de 18 mil. Com medidas emergenciais, que incluem hotéis flutuantes, residências particulares, escolas adaptadas e pousadas periféricas, esse número foi elevado para cerca de 53 mil leitos.

Mas a que custo?

Hospedar-se em Belém durante a COP virou artigo de luxo. Diárias chegaram a R$ 40 mil, com plataformas de aluguel por temporada listando imóveis simples por preços abusivos.

A resposta do governo foi contratar, por até R$ 263 milhões, dois cruzeiros MSC Seaview e Costa Diadema, para servirem de hotéis flutuantes.

Mesmo assim, países do Sul Global já alertaram que não conseguirão enviar delegações completas devido aos altos custos.

Trata-se de um paradoxo: o evento que discute justiça climática está se tornando inacessível para os países mais vulneráveis às mudanças do clima.

Infraestrutura: um plano sem execução

O Parque da Cidade, no antigo aeroporto Brigadeiro Protásio, será o centro do evento, com 500 mil metros quadrados de área. Porém, a entrega das obras está atrasada.

O mesmo vale para vias de acesso, sistemas de transporte coletivo, sinalização urbana e áreas de convivência. O BRT Metropolitano, cuja obra já se arrasta há décadas, deveria estar concluído, mas ainda enfrenta pendências de integração e operação.

A falta de planejamento intergovernamental também é visível. O comitê gestor da COP em Belém só foi formalizado em maio de 2024, um ano e meio após o anúncio da sede.

O Tribunal de Contas da União (TCU) apontou falhas graves: falta de cronogramas unificados, metas claras e governança integrada entre os governos federal, estadual e municipal.

Para piorar, o contrato de R$ 478,3 milhões firmado com a Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI) sem licitação para execução da COP está sob investigação.

Há suspeitas de direcionamento e gastos superfaturados, o que mancha a credibilidade do evento antes mesmo de sua realização.

Diplomacia e imagem em risco

O Brasil quer aproveitar a COP 30 para anunciar o Tropical Forest Forever Facility, um fundo climático global de US$ 125 bilhões, que visa compensar países tropicais por preservar suas florestas até 2035. A ideia é ambiciosa e necessária.

Mas como convencer líderes internacionais a investir em proteção ambiental quando a capital anfitriã carece de esgoto, transporte e planejamento básico?

Belém tem uma chance única de se reposicionar globalmente. Mas também está sob vigilância intensa. Repórteres da BBC, The Guardian, New York Times e Le Monde já circulam pela cidade. Todos prontos para registrar não só os discursos dos líderes, mas a realidade urbana que os cerca.

Ainda há tempo?

A resposta é: há tempo para reduzir o impacto negativo, mas não para entregar o prometido. Obras estruturantes, como expansão do saneamento, jamais ficarão prontas em 90 dias.

O que resta é conter danos: reforçar a logística, criar rotas alternativas, controlar preços abusivos e garantir segurança institucional.

A COP 30 ainda pode ser importante. Mas seu legado como símbolo de progresso ambiental está comprometido. Não por falta de recursos, mas por má gestão, desarticulação e excesso de promessas.

O legado que poderia ter sido

Como paraense, lamento profundamente o que vejo. Essa era a hora de mostrar ao mundo que a Amazônia não é apenas um bioma a ser preservado, mas uma região rica em cultura, ciência, inovação e vida urbana pulsante.

Em vez disso, estamos perto de mostrar, mais uma vez, que falta ao Brasil mais competência do que discurso.

Belém merecia mais. A Amazônia merecia mais. O Brasil merecia mais. Transformar a COP 30 num marco de inclusão e sustentabilidade exigia planejamento técnico, ações rápidas e compromisso com a entrega.

O que se vê, até agora, é um roteiro de improviso onde quem paga a conta é o povo local, e a imagem internacional do país.

* André Charone é professor universitário, mestre em negócios internacionais e natural de Belém (PA).

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