Quando a professora quis ganhar cartaz em cima dos cartazes de outro
Quando a professora quis ganhar cartaz em cima dos cartazes de outro
- Tia Dete, será que eu posso levar alguns cartazes para fazer uns quadros para nossa sala de aula?
- Claro. Tem vários aqui, que chegaram com as folhinhas deste ano.
- Gostei muito deste aqui. Vou fazer um quadro com ele e levar os outros para meus colegas também fazerem.
Esta conversa aconteceu em 1966, entre o meu irmão caçula, o Helinho, e a minha tia, irmã do meu pai, com o qual tinha, em sociedade, uma loja de tecidos, roupas e cama e mesa em Manga.
E as lojas recebiam no fim do ano uns calendários com paisagens muito bonitas. A idéia do Helinho era fazer quadros para enfeitar as paredes da sala de aula.
Ele estudava no terceiro ano do curso primário no Grupo Escolar Presidente Olegário, onde todos os irmãos estudaram.
Desde pequeno mostrou um temperamento forte, que o levava a defender os seus direitos, mesmo diante dos mais velhos ou dos seus parentes.
Com a permissão da tia Dete, ele resolveu levar os cartazes para a escola. Chegando na sala, mostrou-os para sua professora e explicou-lhe sobre a sua idéia.
Naquele dia, pouco antes do final da aula, estavam ocorrendo os ensaios para a comemoração do dia do soldado. Ele participava de uma esquete e foram chamá-lo para o ensaio. Então saiu da sala antes de terminar a aula.
Participou normalmente do ensaio, e quando voltou à sala de aula foi surpreendido com o que tinha acontecido. A professora tinha distribuído todos os seus cartazes para os alunos.
E o pior: aquele que ele gostara mais e que escolhera para fazer o quadro tinha sido entregue para o seu maior desafeto.
Pensa num moleque bravo! Não perdeu a oportunidade de dizer à professora que ela não tinha o direito de fazer aquilo.
Saiu furioso da sala e, já fora da escola, foi coletando os cartazes que estavam com os colegas e rasgando um por um. Rasgou todos que conseguiu pegar.
No dia seguinte, ao entrar na sala de aula, ouviu a professora perguntar aos alunos pelos quadros dos cartazes que ela entregara no dia anterior.
- Professora, eu não estou mais com o meu cartaz.
- Mas o que foi que aconteceu? Eu entreguei na sua mão.
- Mas o Helinho tomou e rasgou.
A professora então virou-se pra ele.
- Porque você rasgou os cartazes?
- Porque eram meus. Eu não tinha dado para a senhora. Você não podia ter dado pra ninguém porque eu não tinha dado pra você! Porque você distribuiu?
- Mas você não podia rasgar!
- Podia sim. Eram meus. Eu faço deles o que quiser. Eu não te dei.
- Então você vai ficar de castigo.
- Não vou.
- Vai sim.
- Não vou.
A professora então arrastou a carteira com ele sentado nela e colocou no canto da sala. E aproveitou para ameaçá-lo de que ele tinha que ir pois ela ia chamar a diretora.
- Pode chamar.
O detalhe é que a diretora era nossa mãe. Mesmo assim ele não se levantou e foi arrastado para o canto da sala, encostado na parede.
Terminada a aula ele foi para casa. Assim que chegou, nossa mãe perguntou a ele:
- Por que você rasgou os cartazes que tinha levado pra escola?
- Rasguei porque eram meus. Eu não dei para ela. Levei para perguntar a ela se podia fazer os quadros. Ela pegou meus cartazes e distribuiu pra todo mundo. Não eram dela e ela não podia dar pra ninguém. Eram meus e por isso é que eu rasguei.
A minha mãe, do jeito que ouvira calada, calada ficou. Não o repreendeu. Até hoje ele se lembra dessa história como um fato marcante, onde um silêncio mostrou muito a ele sobre autoridade e justiça.
Salve Dona Ana!
* Antônio Marcos Ferreira