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Inteligência Artificial na saúde

Inteligência Artificial na saúde

16/11/2025 Claudia de Lucca Mano

A inteligência artificial (IA) chegou à saúde com a promessa de agilizar diagnósticos, democratizar o acesso e reduzir custos.

Mas, na prática, observa-se uma tendência preocupante: empresas que pretendem abarcar toda a cadeia de cuidados em uma única operação, do primeiro clique à entrega do produto final.

A jornada começa, muitas vezes, com uma anamnese virtual conduzida por robôs ou sistemas de IA. Em seguida, um profissional de saúde, quase sempre em modalidade assíncrona, analisa o prontuário digital, aprova (ou apenas confirma) a conduta sugerida pelo algoritmo e, a partir daí, nasce uma prescrição.

Essa prescrição geralmente envolve fórmulas personalizadas de medicamentos, cosméticos, suplementos ou fitoterápicos, que são manipuladas em farmácias magistrais ou fornecidas em drogarias com produtos prontos, muitas vezes dentro de um mesmo ecossistema digital.

Há plataformas que funcionam como verdadeiros marketplaces de saúde, reunindo consulta, prescrição e venda num único fluxo operacional. Parece eficiente. Mas, sob a ótica jurídica, a fronteira entre serviço de saúde e atividade comercial desaparece.

O paciente deixa de ser paciente e passa a ser um consumidor capturado dentro de um funil de vendas em que o “tratamento” já vem acoplado ao produto.

Essa integração vertical — consulta, prescrição, manipulação e entrega — traz riscos regulatórios importantes e recoloca antigas discussões sobre conflito de interesses na medicina. 

Do ponto de vista sanitário, a Lei nº 5.991/1973, alterada pela Lei 11951/09 proíbe expressamente a intermediação comercial de fórmulas de manipulação com drogarias, por exemplo.

Quando a consulta, prescrição e dispensação ocorrem dentro da mesma estrutura empresarial (ou em arranjos de parceria digital), há indício de captação indevida de receitas ou de venda casada, o que também potencialmente afrontaria a ética profissional dos profissionais de saúde, a exemplo do Código de Ética Médica.

Há ainda o problema da responsabilidade: se o algoritmo participa da decisão terapêutica, quem responde por um erro?

O profissional que apenas “valida” a conduta sugerida pela máquina? A empresa proprietária da plataforma? Ou a farmácia que manipula ou entrega o produto?

No Brasil, a Anvisa ainda não regulamentou especificamente o uso da inteligência artificial em produtos e serviços de saúde.

Entretanto, os softwares médicos já são controlados pela Agência, por meio da Resolução RDC 657/2022, que trata do Software como Dispositivo Médico (SaMD).

Essa norma define que qualquer software com finalidade diagnóstica, terapêutica ou de monitoramento deve ser regularizado junto à Anvisa, com base em critérios de segurança, rastreabilidade e avaliação clínica.

Assim, um sistema de IA que analisa sintomas, sugere condutas ou prescreve medicamentos pode ser enquadrado como dispositivo médico, exigindo registro ou notificação.

Contudo, a RDC 657 foi elaborada para softwares estáticos, aqueles que mantêm o mesmo desempenho após a aprovação, e não cobre integralmente as novas tecnologias de aprendizado contínuo, capazes de se reconfigurar a partir de dados do mundo real.

Esse é o chamado algoritmo adaptável, que pode alterar seu comportamento sem intervenção direta do fabricante. E, portanto, mudar seu perfil de risco após a aprovação inicial.

Nem todo software que parece “médico” possui essa finalidade regulada. Muitos sistemas são vendidos como softwares de bem-estar (wellness apps), aplicados à promoção da saúde, bem-estar ou monitoramento leve, e ficam fora do regime de dispositivo médico da Anvisa, justamente porque não realizam diagnósticos ou tratamentos formais.

Essa diferenciação “cria zonas cinzentas de regulação”, permitindo que plataformas apresentadas como “bem-estar conectado” funcionem, na prática, como porta de entrada para prescrições e vendas.

A Associação Brasileira da Indústria de Alta Tecnologia de Produtos para Saúde (ABIMED) informou que a Anvisa já trabalha na revisão da RDC 657/2022.

A minuta propõe incluir dois novos conceitos: o de software adaptável e o de software específico, voltado a soluções ajustadas a pacientes, grupos ou populações específicas, incluindo sistemas de IA com aprendizado contínuo.

Embora ainda não haja consulta pública formal, o movimento sinaliza que a Agência pretende avançar na regulação dessas tecnologias, hoje em zona cinzenta.

Há ainda o tema sensível dos dados pessoais de saúde, tutelados pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Em plataformas que acumulam papéis de triagem, prescrição, manipulação e entrega, os dados do paciente circulam entre diferentes CNPJs, muitas vezes sem o devido controle de consentimento e finalidade.

Pior: as informações clínicas podem alimentar o próprio algoritmo que define novos tratamentos ou ofertas comerciais, transformando o histórico médico em ativo de marketing.

A digitalização da saúde é inevitável e desejável. A IA pode auxiliar diagnósticos, ampliar o acesso e otimizar recursos. Mas inovação sem governança é risco disfarçado de eficiência.

O Direito precisa acompanhar não apenas o avanço tecnológico, mas a fusão entre o cuidado e o comércio. Toda vez que uma IA recomenda um tratamento e, na sequência, oferece o produto correspondente, a ética do cuidado se transforma em estratégia de conversão.

A inteligência artificial pode e deve ser uma aliada poderosa da medicina, mas deve servir à ciência antes da conveniência de mercado.

* Claudia de Lucca Mano é advogada e consultora empresarial atuando desde 1999 na área de vigilância sanitária e assuntos regulatórios.

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